- 30.jun.2014 - Militares reforçam a segurança na fronteira entre Kirku e Tirik, no norte do Iraque
Quando os Estados Unidos deixaram de ocupar militarmente o Iraque, em
2011, a perspectiva era a de um futuro estável para o país: havia um
governo democrático recém-eleito, uma nova constituição e um exército
treinado pelos militares norte-americanos.
Mas a ofensiva armada
de um grupo extremista sunita que pretende derrubar o atual governo do
primeiro-ministro, Nouri Al-Maliki, ameaça deixar o país em colapso.
Desde janeiro deste ano, o grupo radical sunita do Estado Islâmico (que
antes era chamado de Estado Islâmico no Iraque e Levante- EIIL) tem
travado combates com o exército iraquiano, que não está conseguindo
conter o avanço dos extremistas.
Os insurgentes já ocupam áreas no oeste e no norte do Iraque, como as
importantes cidades de Mosul e Tikrit, cuja população é de maioria
sunita. Mais de 500 mil pessoas foram forçadas a fugir dessas cidades e
procurar refúgio. As forças rebeldes também avançaram rapidamente nas
regiões que fazem fronteira com a Síria, Jordânia e Arábia Saudita e
assumiram o controle de usinas de eletricidade e campos de petróleo.
Os rebeldes divulgaram imagens na internet que mostram centenas de
homens deitados de bruços em trincheiras e sob a mira de fuzis. Relatos
indicam que os insurgentes capturam a população com a intenção de soltar
os sunitas, enquanto os xiitas são separados para a execução.
A
organização não-governamental Human Rights Watch afirma que há indícios
de que centenas de homens foram executados e pede que autoridades
investiguem esses crimes de guerra. Para a ONG, além do massacre, os
ataques podem provocar uma onda de refugiados e são uma ameaça para a
segurança de milhares de mulheres.
A população iraquiana é
dividida entre sunitas, xiitas e curdos. Os dois primeiros seguem linhas
religiosas diferentes do Islã e o último é uma etnia que vive em uma
área autônoma. Atualmente, o governo é de maioria xiita.
Em
julho, os insurgentes declararam a criação de um “califado sunita” no
território dominado no Iraque e no leste da vizinha Síria, país que está
em guerra civil. O califado é um antigo sistema político que foi
abolido em 1924, após a destituição do Império Otomano.
Segundo o
porta-voz do Estado Islâmico, Abu Mohammed al-Adnani, o califado se
estenderá da região de Aleppo, no norte da Síria, até Diyala, no leste
do Iraque, e terá como califa (líder político e espiritual) o chefe do
EEIL, Abu al-Bagdadi.
O grupo também pretende invadir a capital
Bagdá para derrubar o atual governo e milícias xiitas da cidade já se
preparam para um possível ataque. Além de fundar um Estado islâmico
transnacional, a luta armada do EEIL teria o objetivo de governar sob as
seculares leis religiosas da sharia (Lei Islâmica baseada no Alcorão,
livro sagrado do Islamismo).
Adeptos do jihadismo (guerra santa
islâmica), os militantes do EEIL são considerados uma dissidência da
rede terrorista Al-Qaeada, responsável pelos atentados do 11 de Setembro
de 2001 nos Estados Unidos. O grupo iraquiano é responsável por uma
série de ataques terroristas no país que alvejaram as forças de
segurança, funcionários do governo e civis xiitas. O EEIL também atua na
guerra civil da Síria, apoiando jihadistas que se infiltraram na
revolta síria e lutam contra as tropas do governo de Bashar Assad.
Com esse novo cenário de instabilidade, o Iraque pode caminhar para a
guerra civil e ter o risco de ser dividido entre territórios sunitas,
xiitas e curdos. Além disso, grupos fundamentalistas podem ter controle
dos importantes campos de petróleo do país e o processo democrático
conquistado pode ser eliminado.
Como retaliação, os EUA enviaram
aviões para sobrevoos de reconhecimento sobre Bagdá e afirmou que a
intenção é proteger cidadãos e militares americanos na capital. Por
enquanto, os norte-americanos estão estimulando uma mudança no atual
governo iraquiano, para que ele seja mais inclusivo e abra espaço aos
opositores na administração do país. O presidente Barack Obama ainda não
autorizou bombardeios em locais tomados pelos rebeldes.
A fragilidade do governo iraquiano e a divisão entre sunitas e xiitas
A disputa por território no Iraque reflete um problema antigo do país: o
conflito entre diferentes etnias e identidades religiosas e seus
territórios físicos e políticos.
Os xiitas são maioria no Iraque
e representam entre 60% e 65% da população. Já os sunitas representam
entre 32% e 37% da população iraquiana, embora sejam maioria no mundo
árabe (correspondem a mais de 85% dos muçulmanos de todo o mundo).
O governo do xiita Al-Maliki é acusado de colocar as minorias sunita e
curda em uma posição de inferioridade e sem poder de participação nas
decisões. Por meses, integrantes da minoria sunita têm protestado contra
Maliki, o acusando de discriminação e corrupção.
Em 2013, o
Iraque viveu um ano marcado por conflitos. Por um lado, militantes
sunitas atacaram vizinhanças xiitas. Por outro, milícias xiitas
iniciaram represálias violentas contra sunitas. Mais de 7.000 civis
foram mortos em ataques violentos.
Inicialmente, as ações do
EEIL ganharam o apoio de muitos sunitas do noroeste do país, que estavam
insatisfeitos e desejavam retomar seu espaço político, enfraquecido
desde a queda do sunita Saddam Hussein. O EEIL também se uniu a outras
milícias que fazem oposição ao regime de Maliki.
Já os curdos,
que vivem na província semiautônoma do Curdistão, possuem seu próprio
exército e sonham com a independência. Nas últimas semanas, lideranças
curdas afirmaram que farão de tudo para proteger os vilarejos do norte
de ataques. Para alguns analistas, as forças de segurança curdas num
contexto de guerra civil poderiam retomar a bandeira pela independência
do Curdistão.
A atual fronteira do Iraque é uma consequência do
Tratado Sykes-Picot, de 1916, quando o Reino Unido e a França fizeram um
acordo para dividir o Oriente Médio a partir dos interesses dos dois
impérios. Os limites traçados não levaram em conta o complexo sistema
tribal e as identidades étnicas de curdos e árabes e as diferenças
religiosas entre os xiitas e sunitas.
Antiga parte do Império
Otomano e ex-colônia do Reino Unido, o Iraque se tornou independente em
1932, tendo sofrido sucessivos golpes de Estado até a chegada do partido
de Saddam Husseim, o Baath, ao poder, em 1968. A política era dominada
pelos sunitas desde então. Nos anos 1970 e 1980, o país viveu sob a
ditadura de Husseim, que na época, era aliado dos EUA. Quando o ditador
invadiu a Arábia Saudita, deu início à Guerra do Golfo.
Em 2003,
o presidente norte-americano George W. Bush invadiu o Iraque novamente,
sob o pretexto de que ele teria armas de destruição em massa. A invasão
mudou o balanço de forças e os xiitas ascenderam ao poder, polarizando
ainda mais a disputa política com os sunitas.
A influência da crise iraquiana no Oriente Médio
Para muitos analistas, o avanço do Estado Islâmico e sua influência vai
impactar o Oriente Médio mais do que a Primavera Árabe. Os EUA teme que
o conflito se espalhe para países vizinhos e estimule ataques
terroristas de jihadistas ao Ocidente.
Milicianos ligados ao
EEIL já controlam os postos da fronteira do Iraque com a Jordânia, país
que tem um exército institucionalizado. Analistas avaliam que os
milicianos poderiam tentar desestabilizar o país por meio de ataques
terroristas.
O Irã, tradicional apoiador dos xiitas no Iraque,
reforçou seu apoio ao governo de Al-Maliki e disponibilizou ajuda
militar. Para analistas do Ocidente, o apoio do Irã poderia ser
fundamental para equilibrar o conflito.
Vizinha do Iraque, a
Arábia Saudita posicionou 30 mil soldados na divisa com a fronteira
iraquiana. O rei saudita Abdullah disse à imprensa local que tomará
todas as medidas necessárias para proteger seu país contra potenciais
ameaças terroristas. Maior exportador de petróleo do mundo, a Arábia
Saudita é uma tradicional aliada dos EUA e do Ocidente.
Na
Síria, o presidente Bashar Assad atacou alguns alvos do EEIL em Raqqa e
na fronteira iraquiana. O grupo Hezbollah (que é a favor de Assad)
declarou que está preparado para lutar contra o EEIL.